24 de setembro de 2014

alta

Você me deu alta de você, me pediu que nunca mais voltasse ao seu consultório e volta e meia me procura, como um médico cobrando hora-extra de um paciente que não tem mais doença nenhuma.

13 de setembro de 2014

Belém

A cidade nasce e dorme.
Assim como eu.
Talvez nos mesmos horários que eu.
Eu finjo que o dia passa. E eu tento passar pelo dia, tento atravessar e fazer parte das horas que nascem e morrem enquanto o sol queima na cabeça de todo mundo que anda nesse asfalto que, por algum milagre, não derrete.
Menos importante do que o asfalto que não derrete é a falta de dia que tenho dentro de mim. Como se eu não vivesse neste tempo de relógio: calculado em segundos, minutos e horas. É o meu frequencímetro que mostra se o dia está passando mais rápido ou mais devagar. As vozes ao meu redor, com as quais raramente interajo, não ultrapassam a fina camada entre o meu mundo e tudo ao redor de mim. Talvez eu não deixe. Talvez elas não queiram. Talvez seja a mistura destas incompatibilidades - talvez as nossas vozes nunca sejam ouvidas e nunca ultrapassem a barreira dos mundos que nos separam de todas as pessoas ao nosso redor. Quando estou aqui, o mundo parece mais vazio, porque eu sou um pouco (mais) vazia aqui. Porque não há outras vozes que eu deixo entrar no meu mundo. Porque o meu mundo aqui me basta? Porque me bastaria em qualquer lugar? Talvez. É quase uma punição perceber a possibilidade de viver em solitude (quase) plena. Quase me sinto mal pela sociedade que suplica por companheiros  - se às vezes também não os desejasse. Sociedade que suplica por vozes a serem ouvidas - quaisquer que sejam, trazendo a mais banal mensagem. Arrogância minha achar que não sou banal. Inferioridade minha achar que não tenho nada a acrescentar na vida destas dezenas de pessoas com as quais não me identifico e que enxergam em mim alguém que não se encaixa aqui. Alienação minha achar que somos assim tão diferentes.
A cidade nasce e dorme.
Queimando e quase ilhada.
Assim como eu.